A jornada começa com as primeiras aventuras de Wade, através da inspiração e guiança pelo professor Schultes, e o desafio como pesquisador de campo que o colocam em movimento na América do Sul. Após seu retorno, com um breve intervalo, é convidado a seguir pesquisado dessa vez no Haiti.
Toda a pesquisa gira em torno do que é chamado de Veneno Zumbi, encontrar amostras, identificar e testar hipóteses sobre o funcionamento, entrevistar Clairvius Narcisse e Ti Femme, dois casos conhecidos e documentados da zumbificação.
Dedicado a compreender a complexidade da sociedade e o poder real do veneno, Wade conquista a confiança e respeito de um houngan (sacerdote vodu), para então finalmente acompanhar a procissão de coleta dos ingredientes para o veneno zumbi: o sapo Bufo marinus e uma outra espécie de serpente-do-mar; plantas como a tcha-tcha (Albizzia). mucunã (Mucuna pruriens), algumas outras leguminosas tóxicas e o baiaco ou peixe conhecido como sapo-do-mar.

Wade descobre muito sobre as possíveis potências de composição do veneno, mas tudo se desvela facilmente para compreender os efeitos físicos no corpo humano quando identificado o uso da tetrodotoxina (encontrada no peixe fugu) que tem capacidade neurotóxica de reduzir o metabolismo ao ponto de ser considerada morte clínica, resultando em vários sepultamentos de pessoas vivas.
Deparando-se com o limiar entre a vida e a morte, Wade avalia culturalmente o resultado de tal medicina/arma farmacológica: era usada como punição coletiva aplicada por bokors (feiticeiro) à indivíduos consideradas persona non grata; os entes queridos que morriam de uma morte “não natural” (acidentes, assassinatos ou vítimas de feitiçaria) eram “mortas duas vezes” para garantir que não pudessem ter transformadas em zumbi (enterradas decapitadas, com estacas no coração) ou protegidas em seus túmulos por correntes e enterradas com milhares de sementes no interior do caixão; as sociedades secretas em posse de tais preparos tinham grande poder nos campesinatos, e grande parte dos ensinos de venenos conferiu ao povo haitiano grande vantagem nas revoltas contra a colônia francesa.
É claro que entre o desenvolver de uma questão e outra, após todas as hipóteses, imersões e crises a respeito do real poder do veneno, a jornada deixa de ser um objetivo e torna-se uma cruzada pessoal.
Wade decide peregrinar até a cascata de Saut d’Eau onde encontra o local de adoração dos deuses Serpente e Arco-Íris, e as reflexões e ensinamentos recebidos ali, nas palavras dos houngans e mambos (sacerdotisas vodu) presentes, o despertam para o fato de que ele desejava mais, ele queria entender a magia por trás.
Nesse momento preciosos trechos sobre a cosmovisão e cosmologia da religião vodu são apresentados, nos deparamos não só com os deuses primordiais do culto, como também com as noções da forma humana:
corps cadavre - o corpo material.
n’ame - o espírito da carne, que permite o funcionamento do corpo como função orgânica,e na morte, o resquício desse espírito é o que mantém o corps cadavre com sua forma mesmo após a morte , e sua dissolução ocorre de forma gradual até retornar ao solo;
z’étoile - componente espiritual que não reside na terra/no corpo, e seria como a ideia do destino particular daquele ser, ou mesmo, seu duplo;
gros bon ange - o sopro da vida a energia e fagulha partilhada com a força cósmica e que na morte retorna à sua fonte original;
ti bon ange - a aura e personalidade, e consequentemente o que fica “recluso” e “desligado” quando um corpo é ocupado por um loa;
Dessounin - período de separação da alma e da carne, onde o ti bon ange fica vulnerável e suscetível à captura para zumbificação, ocorre num período de 7 dias;
Canari - jarro de barro onde o ti bon ange fica “guardado e assegurado” durante o período de iniciação no vodu; esse fica sobre os cuidados do houngan no hounfour (templo vodu);
Wété Mo Nan Dlo - o ti bon ange, após desagregar-se do corpo permanece por 1 ano e 1 dia no mundo inferior Les Invisibles, e então é reclamado pelos vivos na mais importante das cerimônias vodu, a alma agora é considerada um espírito e é então depositado em um jarro de barro chamado govi. Esse processo deixa o espírito à um passo de encerrar o ciclo: nasce como um animal; através da iniciação ou nascimento espiritual ele se torna humano; e quando morre retorna como espírito iniciado para um novo corpo, o govi. Os espíritos no govi são alimentados e vestidos e assim seguem por 16 reencarnações onde são reconhecidos como ancestrais, encerrando o ciclo como espírito ao tornar-se ancestral, é aqui que surgem os arquétipos dos loas; após as 16 reencarnações a alma por fim completa, retorna ao Damballah Wedo, como parte do Djo, o sopro cósmico do universo Ayida Wedo.
Após todo esse aprendizado Wade finalmente entende que o processo de zumbificação está intrincado em uma visão de mundo, e que apenas fazendo parte dela, poderia assimilar e sentir o poder de um bokor em driblar o equilíbrio sagrado e produzir um zombi ti bon ange (produzido a partir da captura dessa fração da alma, a vontade ou o espírito persona) ou um zombi cadavre (produzido na captura do corpo desprovido do ti bon ange).
Determinado então a adentrar uma das sociedades secretas a fim de atender ao chamado de sua curiosidade, Wade chega a beira do abismo, do que poderia ter sido um caminho iniciático, mas que com certeza o conectou aos loas, e assim como o sangue escorrendo sobre seu ombro: essa é uma jornada sem volta.
Vale a pena a leitura, mas principalmente a pesquisa dos diversos ricos temas abordados!