Tenho presenciado durante os últimos anos no mundo ocultista uma crescente necessidade de aprovação e reconhecimento. Eu já tive essa semente, mas atualmente cresceu algo em mim que me faz querer desfazer cada vez mais dessa concepção, do como me veem, o que pensam que sou, todas as delimitações, enquadres e filogenias que brotam como erva daninha todos os dias…parece existir uma nova regra e convenção: “você é uma bruxa? Prove!”
Mas aprendi com algumas inspirações que sim: “o sucesso é tua prova” , mas mais que isso, quem colhe esse frutos - provando os palatos deliciosos e também os dessabores - sou eu. E simplesmente ao olhar para isso atualmente meu pensar é : dessas ervas não colherei, não preciso provar nada à ninguém.
Não que eu vá buscar impedir que as pessoas saibam quem eu sou, não é o objetivo e nem tenho a vaidade de criar algum mistério sobre isso, mas que o que importa para o mundo exterior sobre mim, é apenas o que eu posso produzir, contribuir e provocar nos outros. Minha cara não importa, e meu eu não importa muito aos outros somente a mim, e importa mais ainda saber como vence-lo, superá-lo…assassina-lo.
Essa reflexão pode começar simples, quando eu vejo uma briga qualquer nas redes sociais; e nesse primeiro momento eu reflito sobre como tudo se torna superficial e a respeito de si mesmo quando uma dessas pessoas que busca ser farol para outros através do brilho que alega ter, não consegue nem mesmo desenvolver uma discussão fazendo uso do intelecto que diz ter, mas mantem-se na pura vocalização ineficiente não do uno…mas do ego.
Aparentam, muitos e quase todos, que o foco é a primeira camada: eu sou poderosa; eu sou intelectual, eu tenho tais formações, eu sou isso e aquilo e se você me contradiz é porque não é como eu, foi recusada e é inferior. Como ousa opor-se ao meu brilho que deslumbra à tantos? Está magoado com a recusa? De ser menos que eu?
São tantas atrocidades desprezadas pela boca, que me fazem pensar e atravessar os dois polos da inteligência procurando o local certo onde classificar o portador da voz…mas geralmente esses continuam sem lugar.
Mas, também, entro nessas reflexões de forma mais profundamente complexa, como quando em uma leitura ou no meio de um ritual me desperto de um torpor onde me percebo novamente, como alguém ou ninguém, que por um instante deixou de ser.
Quando você executa um ato mágico existem algumas coisas que compõe ele em essência, sem as quais, ele (o ato mágico) realmente não passa de um “teatro do ego” (Ars Diabolicum - Gilberto Lascariz).
Esse conceito tocou em mim profundamente porque vejo que o caminho é muitas vezes composto de diversas “trindades”, e no momento da prática ritual existe uma que sempre me pareceu muito clara: o impulso, o meio e o custo; que o autor traduz magisticamente para o Invocador, o Catalizador e o Sacrifício.
Como kimbandeira, nas minhas primeiras práticas mais solitárias com minha bakulu sempre tentei ao máximo compreender os motivos e o que, para cada operação mágica, poderia servir para vencer o custo. Dai a importância de conceitos como a materia magica, que comentei um pouco na parte 1 de textos dessa série; ou de buscar as equivalências de potência/essência de plantas e outros elementos para os rituais, que descrevi na parte 2.
O culto da kimbanda como sabemos, é vampírico e amoral, e aos poucos tenho compreendido e usado como ferramenta uma ótica alquimista que permite ver cada processo de feitiço ou ritual como uma espécie de balanceamento de equação química.
Como induzem os princípios desse trabalho em alquimia mágica (Pharmako Poetia - Dalle Pendel) você tem os elementos antes da ração, o meio onde ela ocorre e o produto da reação, numa concepção química, que se divide em objetivo + gasto molecular (gases que evaporam, elementos que se tornam resíduos desprezíveis ou perca em forma de calor….)
Dessa forma, se você não lida com os custos, ou melhor, não atua com o sacrifício, você pode muito bem, tornar-se o sacrifício.
Existem várias formas de isso acontecer ao meu ver, você pode: ficar doente com frequência, viver atordoado por desejos pelo passado (depressão) ou pelo futuro (ansiedade); pode sofrer com vícios que consomem sua energia e vitalidade…ou como tenho visto: tornar-se escravo do ego.
Esse ego coloca uma lente sobre seus olhos onde tudo que você passa a enxergar é a si mesmo, mas não o Eu. Você verá a esbelta imagem, a inteligência desejável, o poder aquisitivo, o poder da persuasão e ilusão…
Engana-se quem assume por Lírio do Vale a vaidade do Narciso brotando no peito, como um delírio da própria importância.
A travessia do liminar sempre é cobrada, e você precisa ralar muito para ter consigo a moeda do diabo e ser capaz de realizar essas translações sem perder a cabeça, ou o senso de direção e ser conduzido a ser para o Outro e fugir de tornar-se sempre mais e mais o Eu. O âmago dessa discussão dentro de mim é que o primeiro passo para essa transmutação é reconhecer o ego, afinal não se assassina o desconhecido.
São esses os primeiros despontares e desesperos ao sentir sua imagem ser retorcida, sua luz e sombras sendo fundias numa peça única, não se reconhecer no espelho e vislumbrar sua verdadeira essência em forma de um corpo escuro e onírico, com garras, presas, escamas, saltando alto e se arrastando na lama, uma coisa amorfa que começa aos poucos querer levantar-se, como todos seus mil braços, vestindo infinitas máscaras, uma para cada dança, e por fim voltando a ser o que é: o poder da auto criação, o nada e o tudo.
Que sejamos então atentos e despertos para reconhecer nosso ego, para chama-lo pelo título e assim sermos capazes de dissuadirmo-nos de pensar que ele é o que somos, e que somos limitados ao que ele é.
Entenda que o processo é intimo e revelador de si mesmo e do universo em si mesmo, quando você está: pés postos sobre a terra; o corpo e a alma nus sob os céus e somente você é testemunha da recusa e do pacto; é nesse momento a a magia acontece, que suas mão tornam-se capazes de fazer uma erva curar e matar, sua voz torna-se o proferir do verbo que cria e destrói…então, só então que tudo deixa de ser o tal “teatro do ego”.
Nesses momentos é quase audível o som das marteladas, e subindo pela espinha sentimos a serpente de fogo que queima internamente, fazendo mudar a temperatura do corpo através da crescente vibração do abismo.
Cada centímetro de pele arrepia.
Então não seja. É preciso tornar-se o opositor da sua própria condição limitada ao ego. Saiba que “essas palavras são apenas o eco que marca a minha Ausência.”(QUTUB - Andrew D. Chumbley).
E nas constantes marteladas a forja começa cantar, ainda mais alto que esses ecos, o Canto de Ossanha: “o homem que diz sou, não é…” e a maior parte desses ai, vão virar sacrifícios do ego e pelo ego, de uma forma ou de outra.
Interessante sua provocação sobre as Bruxas precisarem se provar , mas gostaria de perguntar. Pq vc acha que chegou a isso? O que motivaram as pessoas ao terem medo, a terem tanta vaidade de se colocar um título. Elas agora precisarem se provar ?